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“E se eu não quiser te levar pra lá?”

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Por Ana

Escrevo.

Porque chorar é reação da alma. Mas se é manifesto, é palavra.

Vivi há quase duas horas atrás, a pior sensação de agressão à minha feminilidade da qual espero chegar. Senti-me refém do mal gosto, pouca educação, profissionalismo, machismo e vício de um homem.

Sexta-feira, 17 de dezembro, uma semana para o Natal de 2010. Um encontro de amigos em um lugar charmoso de uma metrópole no Brasil. Conversa dessas valiosas, onde alguns se conhecem muito e outros querem entender o diferente e comum entre todos do grupo.

Festas, sexo, interesses, astrologia, “conheci um ator por acaso”, “acho inspirador”,  “acho clichê”, “eu contribuo para um blog feminista escrito por mulheres de verdade”.

“Você é feminista?”
“Você é uma mulher de verdade?”
Não sei. Até porque desconheço os critérios para ser catalogada como feminista ou real.
“São raros os encontros com mulheres de conteúdo”
“Desculpa”: veja bem se isso é resposta!
“Obrigada”
“Você deveria conhecer as minhas amigas”.

Feliz, entrei no táxi com a certeza de ter vivido uma interessante e leve noite na qual expressei-me sincera e apaixonadamente, sem filtros morais ou preocupações sobre juízos de valores. Fui a mulher – jovem, visionária, atrevida, ingênua e questionadora – que existe em mim.

Falei o endereço. Minutos depois, ao ouvir ininterruptamente a voz distorcida e perceber os reflexos lentos, constatei: taxista embriagado.Enviei uma mensagem para a amiga da qual acabara de despedir-me.

Observei as ruas pelas quais passava; ruas vazias de uma metrópole que não conheço bem, 03:00 am, América Latina, Brasil.Decidi que aquele taxista me levaria ao meu destino.Pergunto, sem reconhecer o caminho: “quanto tempo demoramos para chegar?”.

O taxista para bruscamente o carro no meio de uma rua vazia, solta o cinto de segurança, gira o corpo em minha direção, olha com malícia e responde:

“E se eu não quiser te levar pra lá?”.

(Quero fazer um curso de defesa pessoal e quero uma indicação profissional sobre qual seria a melhor reação, quem pode me ajudar?)

Fiquei calada por alguns segundos. Respirei fundo.

“Meus amigos anotaram a placa do táxi. Acabei de mandar uma mensagem pra eles. Se acontecer algo comigo, o senhor vai ser preso.”
(Silêncio)
“Espero que nunca perguntem isso para tua filha.”

Não tinha anotado placa. Aliás, parei o táxi no meio da rua. Foi reação espontânea e desesperada.
A corrida demorou mais do que a média dos outros dias, no mesmo horário.Menti que estava no hotel ao lado e não no de onde agora escrevo.Paguei a corrida. Anotei a placa.

Entrei no saguão do hotel aos prantos. O que durou até escrever para a amiga que eu tinha chegado bem e aceitar a companhia de profissional do hotel – uma mulher – até o meu destino final.

Subi o elevador decidida. Publicar o que aconteceu.Aprender a defender-me em momentos assim. Averiguar a assertividade de minha reação.

Perguntar: quantas mulheres devem passar por situação semelhante sem sequer mencioná-la?