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Arquivo da categoria: Direitos Humanos

meu corpo, meu campo de batalha

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Pagu

Numa tarde de quarta-feira, saí da farmácia e voltei ao trabalho. Estava nervosa, mal conseguia controlar os passos. Imediatamente, liguei pra um amigo de confiança e lhe disse: “Vou fazer uma coisa nos próximos minutos e vou precisar te ligar. Vou precisar de você.” Desliguei o telefone e fui ao banheiro. Fiz o xixi, coloquei no potinho. Tirei o palitinho da embalagem e coloquei no potinho. 2 minutos.

A partir daí, duas listras mudariam minha vida. Fiquei olhando fixamente o potinho durante os dois minutos que se seguiram. Quanto os dois pontinhos listrados apareceram, peguei a caixa pra ter certeza: positivo. Minhas pernas falharam, apoiei a cabeça e imediatamente pensei: o que é que eu faço agora?
O chão sumiu debaixo do meu pé e liguei para o amigo.

Depois de desligar o telefone, me sentia aérea. Não conseguia ouvir as pessoas falando comigo e não conseguia prestar atenção em nada. Aquilo era um desastre. Ao contrário do que sempre é dito em relação a maternidade, que era uma benção, objeto de vida plena, pra mim era só angústia e desespero. Só conseguia pensar em mim com um bebê chorando, só conseguia pensar em mim pedindo dinheiro pra minha família pra comprar comida e remédios por anos a fio. Só conseguia ver meu filho me pedindo coisas que eu, aos 20 e poucos anos, não formada e morando com a mãe, com um salário que mal dava pra me sustentar, não conseguiria comprar.

Relembrei minha infância e minha adolescência difíceis. A ausência do meu pai pra trabalhar dobrado pra podermos ter o mínimo de dinheiro no fim do mês. Não conseguia pensar em sapatinhos e quartinhos e nomes para bebês. Só conseguia pensar na meia vida que ofereceria pra um filho que sempre sonhei.

Psicologicamente e emocionalmente eu também não estava pronta. Logicamente, sempre pensava se não valeria a pena ultrapassar todas essas barreiras pra ter alguém que me amasse e a quem eu amasse incondicionalmente, um filho, afinal! Talvez isso preenchesse tanto dos meus vazios que há tanto tempo eu buscava preencher. Ou talvez fosse minha promessa de felicidade eterna. Eterna! Filho é pra sempre! E não, não era justo que esta criança viesse ao mundo pra satisfazer minhas necessidades e carências emocionais.

Me lembro, quando criança, com tantas dificuldades – inclusive emocionais de ser criada por pais tão jovens e imaturos quanto os meus – de pensar que eu não havia pedido pra nascer. Que não era justo que eu tivesse que passar por aquele sofrimento porque ELES não estavam preparados. Eu era criança e percebia isso. Sofria e ainda sofro com isso.

Dois meses depois da notícia eu estava pronta. Então estava decidido. Doía pensar que não era a hora certa. Não que eu nunca quisesse ser mãe, na verdade sempre quis. E talvez isso tenha tornado a decisão ainda mais difícil. Porém, eu havia decidido. Seria o melhor para todos, inclusive para aquele possível bebê.

Consegui por uns contatos um médico em uma clínica em São Paulo. Marquei o dia, emprestei o dinheiro. E contei pra minha mãe. Que contou pro meu padrasto. O que era então na minha cabeça, naturalmente e desde o começo, um direito de escolha meu se tornara uma guerra. E meu útero, um campo de batalha. Fui chamada de assassina, puta, irresponsável. Meu padrasto propôs adotar meu bebê! Ameaçou contar pra polícia e, por ultimo, tentou proibir minha mãe de ir comigo. Acabei indo de ônibus pra São Paulo, após ele confiscar o carro, junto com minha mãe, que decidiu me acompanhar de última hora.

Quando voltei, soube que ele havia espalhado pra metade das pessoas que conhecíamos que eu estava grávida, mesmo depois do aborto. Obviamente, conforme o tempo passava, minha barriga não crescia e a criança não aparecia, algumas pessoas por maldade mesmo chegavam a perguntar.  Eu negava, ria, fingia que ele era doido…dizia que ele tinha se enganado. Depois, me rasgava por dentro. Era torturante. Apesar de saber que a decisão era a correta, eu me condenava moralmente. Não por mim, mas pelos outros.

Quando contei para o suposto pai, ele sorriu e me disse ironicamente que eu tinha tomado a decisão mais fácil. Tive vontade de ficar histérica, mas não disse nada, apenas me levantei e fui embora. Não lhe pedi um tostão, um nada. Nunca mais nos falamos. Foi mais uma coisa que me deu a certeza de que eu havia feito a coisa certa.

Entrei em depressão pouco tempo depois. Não pelo aborto…curioso, não? O que me fez cair foi o moralismo, a hipocrisia e a necessidade que as outras pessoas tinham de controlar meu futuro, meu destino, minhas escolhas, meu corpo. E me diziam isso. A falta de apoio da minha família e a fraqueza da minha mãe ao lidar com meu padrasto. As acusações de assassina, de abortista, como se eu não tivesse sido a principal pessoa a ser atingida por tantos sentimentos, por tanta dor. Como se eu fosse a pior pessoa do planeta. E de tanto as pessoas repetirem que isso fazia de mim um péssimo ser humano, eu me tornei durante um tempo, um péssimo ser humano.

Me recuperei tempos depois, mas a relação familiar nunca mais foi a mesma. A minha relação comigo e com a sociedade também não. Considero sempre que eu tive sorte. A minha renda permitia fazer um aborto seguro, certamente poderei engravidar no futuro se assim desejar. E se eu não tivesse o dinheiro? Faria como muitas mulheres fazem por esse Brasil afora, procurando clínicas clandestinas ou remédios abortivos para me salvar de um futuro de sofrimento. Poderia lá encontrar mais sofrimento, como muitas delas encontram. Algumas morrem, outras conseguem sérias seqüelas de abortos mal feitos, inclusive não poder mais engravidar. E se pra mim foi difícil, imaginem pra elas…

Hoje eu luto. Luto pra que nós, mulheres, tenhamos o direito sobre nossas vidas, sobre nossos corpos. Para que nossa sociedade forme adultos e homens mais responsáveis e comprometidos com a paternidade. Que as mulheres não sejam punidas por serem livres. E sem essa hipocrisia do que achamos ou não certo pro outro, o quanto achamos que a fulana deve ou não dar. Não é problema nosso. Problema nosso é garantir uma sociedade justa, igualitária, democrática e laica. Problema nosso é lutar pra que tenhamos liberdade de escolha sobre nós mesmos, sobre nossos destinos e nossas vidas. Problema nosso é lutar por educação de qualidade. Para homens e mulheres.

Portanto, se você acha o aborto condenável, não o pratique. Mas impor sua opinião ou crença para uma sociedade inteira, para a vida de outra pessoa, não é justo, não é igualitário, democrático ou laico. Lutemos por uma sociedade livre, de seres humanos livres.

E por um motivo óbvio, vamos fechar este post para comentários. Não estou sendo anti democrática, nem nada disso, mas este é um assunto que me toca pessoalmente e já fui muito julgada pelas minhas escolhas. Sei que não terei estômago pra comentários “pró-vida” que a gente já conhece de cor. Meu objetivo aqui é compartilhar minha experiência para que isso possa ajudar outras pessoas na mesma luta. Caso seu objetivo seja convencer a mim e ao mundo do contrário, abra seu próprio blog.

Porque sim, eu tenho um nome!

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Hoje no Brasil, 29 de janeiro, é dia da Visibilidade Trans. Mas qual é a razão da data? Visibilidade quer dizer chamar a atenção, garantir que algo ou alguém seja visto e reconhecido, enfim, tornar visível. Trans é a abreviação para transexual, travesti, travestilidade, transexualidade, transgênero. Consistem nas pessoas que reivindicam sua identidade, subvertendo as normas de gênero estabelecidas pela genitália.

Ação do Dia da Visibilidade Trans em Curitiba

Assim, é necessário repensarmos essas regras, na medida que nem toda menina gosta de boneca, nem todo menino de bola, nem toda mulher tem vagina, nem todo homem tem pênis. Pois não é a nossa genitália que nos faz homem ou mulher, e sim a forma como nos comportamos na sociedade, é o modo de vestir, o tom da fala, vários sinais que emitimos do corpo para que as pessoas nos percebam como queremos ser reconhecidos. Afinal a gente não precisa sair vendo pintos e bucetas por ai para distinguirmos quem é homem e quem é mulher!

Dito isso, voltamos à pergunta inicial, por que chamar a atenção para as pessoas trans? Vários são os motivos: o Brasil é o país que mais tem assassinatos de pessoas LGBT’s (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) do mundo, uma pessoa a cada dois dias – e vem aumentando; a mínima parcela de pessoas trans no mercado formal de trabalho; a evasão escolar dessas, e como relacionamos essas pessoas à prostituição. Tudo isso em razão do preconceito, seja do mercado de trabalho, seja do Estado por não possuir leis e reconhecer seus direitos, seja o nosso próprio preconceito.

João Nery é o primeiro homens trans do Brasil a fazer cirurgia

Muito desse preconceito se manifesta quando há a necessidade de identificação da pessoa, fato muito tranquilo para homens e mulheres biológicos. Mesmo que me chame Xênia, sendo um nome pouco comum, é feminino tal qual a minha aparência. Entretanto, quando uma pessoa trans possui o mesmo nome, mas se apresenta como um homem, se inaugura uma sequência de perguntas, olhares e dúvidas.

É comum às pessoas transexuais quando apresentam a documentação serem questionadas se os documentos são delas mesmas, se não são roubados, além dos olhares medindo cada centímetro para encontrar qualquer indício que comprove que ainda naquele corpo exista a verdade biológica, de que aquilo que vemos não é um homem de “verdade”, uma mulher de “verdade”. Mas, ora bolas, quantas mulheres e homens conhecemos das mais variadas formas, com peitos diferentes, pequenos ou grandes, com barbas diferentes, ralas ou fechadas. Nem mesmo a verdade biológica é capaz de abarcar toda a diferença que existe entre homens e homens, mulheres e mulheres, até mesmo em familiares, o pai fisicamente é diferente do filho. Não fosse o documento de identidade, que atesta o diverso daquilo que a pessoa travesti ou transexual é de fato, a diferença se resumiria a peitos pequenos ou grandes, barbas ralas ou fechadas.

"Eu sempre soube que era um homem, só não tinha muita certeza sobre como me tornar um", Marcelo Caetano

É na apresentação da identidade que se concretiza o preconceito. É o momento de não ser chamado para uma entrevista de emprego, de ser impedido de embarcar em um avião, de ser vítima de chacota e violência no ambiente escolar, no banco, nos postos de saúde, e em todos os espaços onde identificar-se é necessário.

Por isso, é urgente estabelecer uma política de respeito e reconhecimento de direitos das pessoas trans, que o direito ao nome e ao próprio corpo sejam efetivamente protegidos, seja através de legislação específica ou ainda através de decisões judiciais sensíveis à dignidade das pessoas trans.

Só para terminar, e não encerrando o assunto, é muito comum quando pensamos em pessoas travestis e transexuais que nos venha à mente a mulher peituda e bunduda, porém, é necessário afirmar que nesse mundo de diversidade (e como é importante sermos diferentes e únicos) há muito homens travestis e transexuais, pessoas que se vestem como homens, comportam-se como tal, tem barbas ralas ou fechadas, estão por aí, querem ser respeitados e devemos respeitá-los, pois afinal todos somos gente, dignos de amor e respeito.

Agradeço gentilmente o espaço cedido pela Natália Mendes, e quem mais contribui ao blog, aos amigos Marcelo Caetano e João W. Nery pelas fotos, ainda ao Transgrupo Marcela Prado pelo contínuo aprendizado. A vocês o meu carinho.

Xênia Mello, capricorniana, advogada feminista, pesquisadora sobre  Transexualidade e Direito, voluntária no Transgrupo Marcela Prado em Curitiba.

Esse texto faz parte da Blogagem Coletiva promovida pelo Blogueiras Feministas

Veja também:

Do manicômio à UnB – por Marcelo Caetano

“Tabu América Latina – Mutação Sexual”

Relato sobre a Reintegração de Posse no Pinheirinho

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Recebi por e-mail o relato abaixo e o vídeo. É muito, muito triste. Publicamos aqui por acharmos que as pessoas precisam saber o que realmente está acontecendo lá.

Por Paloma Franca Amorim

São Paulo, 22 de Janeiro de 2012

Acabei de voltar de São José dos Campos onde vivi uma das piores situações da minha vida.

Fomos para o bairro do Campo dos Alemães, entorno da ocupação do Pinheirinho, para tentar registrar como estava a situação posterior à reintegração de posse que ocorreu esta manhã de domingo na comunidade do Pinheirinho.

Chegamos com nossas câmeras para tentar filmar e dar apoio às famílias que perderam suas casas e encontramos diversas tendas armadas pela prefeitura e pelo governo que seriam usadas para cadastrar os moradores do Pinheirinho, de modo a oferecer-lhes alguma ajuda depois da truculenta reintegração.

Filmamos os tratores na área de entrada do Ṕinheirinho (a qual não fomos autorizados a entrar pelo cordão de isolamento da polícia militar – que fazia parte de um contingente de mais de  MIL policiais na área). Depois de cinco minutos bombas e tiros foram disparados contra todos nós (nós estrangeiros e eles moradores) que estávamos na área reservada para o recadastramento e apoio aos moradores. Mais de 400 famílias dentro das tendas tiveram de correr para fora da área para que não fossem atingidas pelo ataque da polícia (eu tenho tudo isso gravado e divulgarei amanhã pela manhã).

Crianças chorando e adultos desesperados por estarem expostos à força LETAL da polícia e por entenderem que este cadastramento não significava nada na medida em que seus pertences estavam sendo tratorados junto com suas casas no mesmo momento em que o governo de São Paulo e a prefeitura de São José dos Campos prometeram que todos os reaveriam após tal trâmite burocrático. Isto é, segundo o acordo do governo e da prefeitura, os moradores do Pinheirinho poderiam voltar para suas casas para buscar seus bens (aparelhos domésticos, móveis, roupas…) após realizarem a assinatura de alguns termos. Tenho depoimentos de pessoas indignadas e desesperadas por entenderem que além de suas casas, também tinham perdido o que estava dentro delas.

A polícia fez um cerco, não havia por onde fugir. Crianças e velhos aspirando e tossindo e chorando e exalando aquele terrível gás lacrimogêneo e de efeito moral (que pode ser uma arma letal, como foi para uma criança de apenas três anos que veio a falecer na ação da PM); alguns grupos de moradores apedrejavam as viaturas policiais em resposta e foram atingidos por balas de borracha e, garanto, por balas de chumbo. Ambulâncias do SUS começaram a chegar para atender aqueles que se mostravam debilitados diante de tal ataque. Mães correndo com seus filhos nos braços. Mães correndo sem seus filhos nos braços.

Tentaram confiscar nossas câmeras, a minha escondi num sobretudo com bolsos.

Isso tudo com muito, mas muito medo.

As tendas armadas pela prefeitura e pelo governo, portanto, foram armadilhas para aglomerar e agredir famílias indefesas que estão há 7 anos ocupando o Pinheirinho, massa falida que só está neste momento sendo reivindicada em função da especulação imobiliária tão contundente nos últimos tempos no estado de São Paulo (vide a Cracolândia na Nova Luz).

Quando estávamos saindo um grupo da comunidade do entorno pôs fogo em mais um carro (o sétimo ou oitavo que vimos até então). A guerra civil foi declarada.

No sindicato dos metalúrgicos estão acontecendo reuniões sobre a situação, focadas fundamentalmente nas ações jurídicas que poderão reverter os acontecimentos. Estivemos lá também.

Um fato: Alckimin, nosso governador, é um facínora, maior responsável político pelos acontecimentos.

Um representante do Governo Federal esteve no momento de reintegração de posse e levou um tiro de bala de borracha. O comandante da ação tomou ordem de prisão e não parou de comandar o batalhão da PM para que a liqüidação dos habitantes do Pinheirinho continuasse. A organização paramilitar da polícia anuncia um golpe militar.

As pessoas continuam na rua.

 

Crianças cheias de gás de pimenta andando pra lá e pra cá (um menininho não tinha roupas para vestir pois todas elas estavam inutilizáveis por conta de tal gás).

São quase três da manhã e eu garanto a vocês que pessoas anônimas morreram e morrerão.

Eu sou professora, acredito nas crianças como futuro deste país… que condições enquanto sociedade oferecemos a estes pequenos do Pinheirinho ficando calados e, portanto, coniventes, com este lastimável evento?

Em que condições vivem as pessoas idosas do Pinheirinho que construíram, no seio da desigualdade social, a história deste país??

Onde será empenhado o vigor destes jovens que também lá viveram?

Morte de mãe não é nada diante disso. Boa noite a todos.”

Escrevo para divulgar os acontecimentos e peço que compartilhem se for possível, pois a mídia não tem exibido a verdadeira situação dos moradores do Pinheirinho e do entorno. Hoje houve mais um confronto e descobriu-se que os hospitais não estão divulgando o número de mortes por ordem do prefeito de São José dos Campos. Também soubemos que crianças foram assassinadas pelos tiros de borrachas da PM e pelas bombas de efeito moral.
O que houve em São José dos Campos foi uma chacina que não pode ser ignorada.

Pinheirinho: desabafo

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Foto tirada na Assembléia realizada dentro da ocupação no sábado, 14 de janeiro. Este é o barracão central onde todas as assembléias eram feitas e assuntos de interesse geral eram apresentados e votados. Isso sim, uma aula de democracia!

Fecho os olhos agora e vejo o barracão central do Pinheirinho, aquele onde eu chorei na semana passada por ver a luta daquele povo, onde vi o Marrom chorar de orgulho daquele povo… onde eu vi aquelas crianças, conversei com aquelas mulheres, chorei com elas, bradei e lutei e vibrei com elas. Hoje eu choro de novo, de imaginar aquele barracao, símbolo de uma verdadeira democracia, no chão. Queimado, derrubado, destruído. Assim como nossa “democracia” hoje. Queimada, derrubada, destruída. Estou cansada, há 12 horas acordada bradando aos 7 ventos junto com milhares de pessoas que estão no twitter pedindo a intervenção de alguém que pudesse segurar a loucura da pm. Tenho em mim agora um pouco de medo ainda pelo que está por vir – porque ao contrário do que a mídia nojenta está noticiando, ainda não acabou…está só começando. Tenho também orgulho, de ver esse brasil inteiro unido por essas pessoas…não se conhecem mas estendem a mão porque se entendem irmãos. Tenho a vergonha, de ser jornalista e ter que engolir uma das maiores emissoras do país que diz ser exemplo em jornalismo, dar notícias nada apuradas e de “fontes oficiais”, como eram nos tempos ditatoriais. E sinto tb aflição pela falta de notícia de alguns companheiros que estavam lá dentro e sumiram há mais de 8 horas. Aflição por aquelas mulheres e crianças. Que eu traria pra minha casa sim, com prazer, como gostam de mencionar as más línguas. se eu pudesse e se isso solucionasse o problema da moradia e da corrupção nesse país. Dividiria com elas sim o meu pão pois foi metade do pão delas que recebi quando fui visitá-las. Essas pessoas nos sorriem com a alma. E hoje destruímos mais de 8 mil sorrisos. E criamos lágrimas, destruímos famílias, geramos caos. Aos que não entendem, ao menos respeitem. Acima de qualquer ideologia, este é um momento de muita dor pra muita gente.

Cylene Dworzak

Aconteceu comigo

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Jamais imaginei, do alto da minha ignorância, que coisas desse tipo aconteciam com pessoas como eu. Classe média, branca, estudada, vinda de “boa família”. Quando, numa determinada manhã me vi na delegacia da mulher, abrindo uma ocorrência contra o namorado que havia tentado me estrangular, a ficha caiu.

Nos meses seguintes, me dei conta de que aquela nem tinha sido a primeira violência que eu, como mulher, havia sofrido; não foi a primeira naquele relacionamento e, muito menos na minha vida toda.

Sou filha de um pai abusivo. Não que não me ame, mas a única forma que ele conhecia para educar uma criança era batendo. Apanhei bastante, talvez tivesse apanhado também se fosse menino, mas a questão é que isso inseriu em mim uma figura masculina autoritária, conservadora e violenta.  Se eu fosse menino, ou uma mulher menos consciente hoje, talvez reproduzisse o modelo do meu pai. Cresci fragilizada, um pouco insegura e machista. Por criação, não por essência.

Aos 12 anos, ainda menina e cheia de bonecas nas prateleiras, fui assediada por um tio. Estava deitada no sofá assistindo TV depois da escola em uma tarde qualquer e ele chegou me alisando. Apesar de não entender direito o que estava acontecendo, eu sabia. Sabia que era errado e abusivo. Diante da minha impotência, corri, me escondi e chorei. A desculpa do “tio” era de que o meu short era muito curto e, portanto, eu havia provocado seus instintos.

Cresci com isso sem nunca falar com ninguém. Me sentindo injustiçada por ter nascido mulher; durante fases da adolescência, usando roupas largas e folgadas com medo de chamar uma atenção “inadequada”. E mesmo assim, chamava. E me sentia culpada.

Demorei muitos anos para começar a lutar. Por mim, pelas outras mulheres que conheço e por todas as mulheres no mundo. Demorei também pra entender que a violência contra a mulher é ampla. Muitos são os casos e muitos são os níveis. E todos eles, sem exceção, causam traumas, humilham, nos diminuem como pessoas.

O machismo que impera na sociedade, a noção de que, por nascermos mulheres somos mais frágeis, descartáveis, meros pedaços de carne. Sofremos violência constante quando somos expostas como bifes no açougue pela mídia; quando andamos na rua e somos assediadas; quando apanhamos de nossos maridos, companheiros, namorados, amigos; quando somos abusadas e/ou estupradas.

E muitas vezes não nos damos conta destas violências, principalmente as mais sutis. Também, em alguns casos, as mulheres sabem da violência a que são submetidas, mas o machismo social impõe que elas devem agüentar e serem fortes. Muitas delas acabam morrendo. Mesmo as que denunciam as vezes acabam morrendo. Os dados da ONU que compõem o texto da Natália Mendes e do Thiago Domenici são assustadores.

O dia 25 de novembro é um dia emblemático, de luta. Mas a luta continua em todos os outros 364 dias por ano que temos para lutar, para gritar o basta a violência.

Violência contra a mulher seja física, verbal ou psicológica não deve ser permitida, não deve ser cometida. Denuncie, conscientize, eduque.

Ana Montenegro


Este texto faz parte da Blogagem Coletiva proposta pelas Blogueiras Feministas.